Introdução à identificação criminal por material genético

Os grandes avanços no campo da tecnologia e genética vêm proporcionando desenvolvimento no âmbito jurídico. É sabido que cada ser humano é único e irreplicável, pois cada um possui características próprias graças aos dados genéticos existentes no DNA (ácido desoxirribonucléico).

No DNA estão contidas informações referentes a parentesco, possibilidades de desenvolvimento de alguma enfermidade ou até mesmo a cor do cabelo do indivíduo. Com isso, a partir do acesso a esses dados é possível ser realizada a identificação do sujeito. Nas palavras do estudioso Renato Brasileiro:

A identificação criminal é o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica - feita com base nas saliências papilares da pessoa -, a identificação fotográfica e a novel identificação do perfil genético, introduzida pela Lei no 12.654/12 (2017, p. 142).

Trata-se especificamente da identificação realizada por material genético. Nesse diapasão, identificar criminalmente alguém por meio de material genético consiste em fazer um cruzamento entre os dados do perfil genético do indivíduo inseridos em um banco de dados e os materiais genéticos deixados pelo infrator na cena do crime.

Com os avanços, vem a conseqüente necessidade de adequação. O Direito, por tutelar a vida em sociedade, precisa caminhar junto com inovações que contribuam com a prestação jurisdicional. O legislador brasileiro trilhou esse caminho, buscando assegurar a proteção dos dados genéticos do indivíduo, o que gera uma imposição mais veemente de ética nas relações.

Compete ao Estado o direito de punir, e para exercer tal incumbência é necessário ter certeza da correta identidade do autor, levando em consideração ainda o preceito do inciso XLV do art. 5º da CRFB/88 em que a pena não passará da pessoa do condenado (LIMA, 2017).

Dito isso, é evidente que o Estado deve lançar mão de recursos tecnológicos que modernizam e empregam maior efetividade para a persecução penal.

A Constituição Federal impõe limites à realização da identificação para fins penais. Em seu art. 5º, LVIII é disposto “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”, ou seja, não pode submeter o individuo a ter a identificação criminal sob qualquer pretexto, o motivo deve ser previsto em lei. Contudo, nem sempre foi assim, essa vedação é inovação da Carta Maior, pois o entendimento do STF era de que “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”, nos ditames da súmula 568 de 1976, hoje já superado.

Com previsão no inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal, bem como no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, g), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, § 2º, g) o princípio do nemo tenetur se detegere, com sentido literal de “não produzir provas contra si mesmo” ou não autoincriminação, também se mostra importante para debate por forte relação com o tema. Desta forma, é importante destacar o que Renato Brasileiro preceitua:

Trata-se de uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação. Consiste a grosso modo, na proibição de uso de qualquer medida de coerção ou intimidação ao investigado (ou acusado) em processo de caráter sancionatário para obtenção de uma confissão ou para que colabore em atos que possam ocasionar sua condenação (2017, p.69).

Como corolário do supracitado princípio, tem-se a presunção da inocência como direito fundamental também. Ora, submeter o indivíduo coercitivamente a cooperar com atos processuais fornecendo seu material genético pode ir a dissenso. Nesse diapasão, surgem embates também com o princípio da integridade física e moral, e da liberdade.

Ainda na Carta Magna em seu art. 5º, X é consagrado o direito de inviolabilidade da intimidade do indivíduo. Não parece existir algo mais íntimo do que coletar parte do corpo do ser humano.

Nos ditames da Carta Maior, o Estado vem legislando acerca do tema proposto. A Lei 10.054, de 07 de dezembro de 2000, tratou da identificação do civilmente não identificado por meio de processo datiloscópico e fotográfico. Ela foi revogada em 1º de outubro de 2009 pela Lei 12.037, que passou a regular a identificação criminal também por meio de coleta de material biológico. Não obstante, a Lei 12.654 editada em 28 de maio de 2012 que alterou aquela primeira e concomitantemente a Lei 7.210/84 que trata da Execução penal. O Banco de dados genéticos só foi tutelado em 2013, com o advento do Decreto nº 7.950, que tem atuação restrita ao Ministério da Justiça.

O sistema jurídico brasileiro ainda é debilitado, e mais especificamente a seara penal, que sofre com a célere mutabilidade da conduta do ser humano. A necessidade de inovação e adaptação do mundo técnico jurídico é notória.

Nesse cenário, torna-se imprescindível que a análise sobre os reflexos da Genética Forense seja realizada levando em consideração o perfil de uma sociedade que está em desenvolvimento e que é fortemente marcada pela diversidade étnica e cultural.

O Estado tem sob sua guarda um procedimento que tem grande potencial para ser bem sucedido, contudo, apesar de não poder ser ignorada a maioria das críticas que sobre ele recaem, o objetivo principal do procedimento merece receber do legislador e dos operadores do Direito um cuidado maior.

Fonte: https://laicafelix.jusbrasil.com.br/artigos/733581276/introducao-a-identificacao-criminal-por-material-genetico